18/07/2023 às 12h37min - Atualizada em 18/07/2023 às 12h37min

BLOCOS ON CHAIN #10 - UM MERGULHO NOS DESAFIOS DA BLOCKCHAIN

Guta Nascimento

Guta Nascimento

Guta Nascimento é jornalista web3.

Salve, gente!

Como vocês estão? Conseguindo descansar em julho com menos eventos?

O Rio de Janeiro teve a Bitcoin School x Gate.io Party.
  
No Sul, tivemos o spin-off do Rio Crypto Day em Porto Alegre, o POA Crypto Day. 

Em São Paulo, teve bolo, quiz e brindes no BinanceTurns6 - o aniversário de 6 anos da Binance.

E antes que o mês acabe teremos um airdrop de eventos!

Em Sampa tem SP Crypto Hub no dia 25. E a 10ª edição do NFTalks no dia 27.

No Rio, no dia 29, a 15ª edição do Rio Crypto Hub se une a 31ª edição do Arte de Portas Abertas, evento que reúne 60 ateliês, e juntos farão um eventaço. Uma collab muito potente em onboarding porque leva a web3 para um público de arte não digital. Um dia inteiro unindo as duas coisas, arte e tecnologia, no teatro do Parque das Ruínas, em Santa Teresa. Vai ter conteúdo sobre ‘A História da Criptoarte’ e o impacto das criptomoedas no mercado de arte. A  Algorand vai fazer novamente uma oficina que já foi sucesso em SP, a ‘‘Como criar e colecionar sua primeira NFT”. E também haverá  ativações para o público experenciar metaversos, realidade virtual, workshops para os artistas que querem entrar no mundo da arte digital. Uma imersão nas possibilidades criativas e no potencial transformador da web3. Bem legal!
 
Por aqui ainda estou processando a intensidade dos eventos de junho, entre eles, o Universo TOTVS 2023, que foi interessantíssimo. Única dó é que aconteceu nos mesmos dias da Febraban Tech. Aí foi aquela loucura, cada um de um lado de São Paulo. Um no Expo Center Norte, o outro no Transamérica (e dá-lhe correr a cidade de um lado pro outro.rs). 
 
A Totvs é uma gigante brasileira de softwares com + de 70 mil clientes, 12 verticais de atuação que vão do Agro à Hotelaria, passando por Financial Services e muitos outros, disputando mercado em vários países. E tem o seu O TOTVS Labs, laboratório de inovação que, em 2019, migrou do Vale do Silício para a Carolina do Norte, nos EUA, onde a empresa desenvolve e pesquisa soluções em Blockchain, UX, Design Thinking, Machine Learning e IAs. 
 
Sendo uma potência, fez um evento igualmente gigante.

O Universo Totvs 2023 botou impressionantes doze mil pessoas (sim, doze mil pessoas em 19 mil metros quadrados, mal dava pra andar) nos dois dias de evento, com stands e ativações de 250 parceiros. De conteúdo foram 240 temas, com quase 400 palestrantes. Teve até um painel sensacional com os criativos de Harry Potter e Star Wars. Pra quem não sabe, o brasieiro (e mineiro) Eduardo Lima é o co-criador da linguagem gráfica de Harry Potter no cinema e de todo o parque temático. E o chileno Pablo Hidalgo que, de fã da saga, se tornou o executivo criativo sênior da Lucasfilm Ltd. Foi uma delícia ouvir os dois, saber o que eles consideram primordial no processo criativo, a relação com fãs e haters, os processos de decisão da indústria e muitos outros aspectos interessantes. Painelzaço.



Mas voltando a web3… o Universo Totvs trouxe, entre os muitos painéis da sua arena principal - onde duas mil pessoas esperavam para entrar igual em show e disputavam cadeira a cada apresentação -  alguns debates importantes envolvendo Blockchain e Inteligência Artificial nas grandes indústrias. 
 
Na coluna de hoje vou falar do ‘Inteligência Artificial no Entendimento da Saúde Humana’, painel que reuniu o Laércio Cosentino, o fundador e atual presidente do Conselho de Administração da Totvs; David Schlesinger, co-fundador e CEO da Mendelics, um laboratório pioneiro em sequenciamento genético e no diagnóstico de doenças genéticas raras; e o especialista em blockchain, Gustavo Paro. No cerne do tema, debater a jornada da tecnologia a favor da saúde, desde a geração de um dado, passando pela criação de metadados e aquilo que a gente espera com ansiedade, dados na blockchain.
 
Laércio Cosentino abriu o painel já indo assertivamente ao ponto crucial de toda essa discussão. Com as tecnologias emergentes, e sobretudo com a blockchain, a saúde vai ter que repensar todo seu setor. Ou seja, precisamos de uma digitalização setorial. Para que essa digitalização seja efetiva, tem que envolver todos os stakeholders. Não adianta digitalizar/blockchainizar só uma empresa. “Só assim o ‘dado’ vai poder, de fato, trabalhar para todos”, pontuou.
 
Cada empresa no setor de saúde, seja laboratório, hospital ou plano de saúde, faz a sua jornada do paciente. Mas é preciso pensar na jornada do paciente no setor como um todo. Precisamos de uma Open Health, dos dados beneficiando nós, os pacientes. Assim como no Open Finance, no qual o usuário é dono do seu dinheiro, o paciente pode ser dono dos dados dos seus exames, das suas prescrições e receitas de medicamentos. E na genética, podemos ter um Open Genomics, nós como donos do nosso banco genético sequenciado, o que pode ser feito uma única vez. Claro que precisamos de bancos com LGPD, proteção de dados do genoma e das nossas informações de saúde, mas a tecnologia criptográfica torna isso exequível. 
 
Gustavo Paro destacou o quão valioso pode ser um Prontuário Único na blockchain. Propôs, com clareza, que já podemos imaginar um sistema integrado no qual uma pessoa, ao sofrer um acidente e der entrada em coma em um hospital, seja público ou privado, que exista uma informação centralizada sobre ela. “Cada paciente ter um ID único, soberano, reconhecido por todos os stakeholders da cadeia”, apontou, e, com isso, ser possível para os médicos na emergência acessar os dados, as  doenças, os exames recentes, as medicações, as características genéticas, saber se a pessoa tem diabetes, o quanto isso não pode trazer de eficácia e rapidez para se estabelecer um tratamento imediato, apropriado, com menos efeitos colaterais. Sem falar no dia a dia, quando tudo isso poderia ser acessado por um paciente num simples aplicativo. 


 
David Schlesinger, que é neurologista e PhD em genética humana, destacou ainda o salto que podemos dar em tratamentos preventivos quando tudo isso for aplicado à IAs. No campo em que ele atua, o de sequenciamento genético, as ferramentas de inteligência artificial já estão atuando analisando os 25 mil genes que compõem nosso genoma para identificar as mutações que resultam em doenças raras. “Se antes a gente só diagnosticava 5% das doenças raras, hoje já diagnosticamos 50%”, disse. E isso está mudando os métodos como se diagnostica uma doença rara. Lembrando que 5% da população mundial tem alguma doença rara e toda semana surge uma nova doença.  
 
Blockchain, governança & privacidade 
Pontos positivos da blockchain na saúde apontados, onde estão os desafios?
A governança dos dados na área da saúde será um ponto crítico para conseguirmos avançar. Para Gustavo Paro, “a blockchain poderá servir como um ‘terceiro de confiança’ na saúde, envolvendo os hospitais, os laboratórios e os planos de saúde. Mas a governança será um dos fatores mais trabalhosos para a adoção da tecnologia”. Ou seja, convencer stakeholders para que eles tenham certeza que cada um só acessará a sua parte nesse prontuário único. A boa notícia é que a blockchain permite competir mas colaborando. E no centro de toda a jornada é fundamental garantir a proteção de dados e a privacidade das pessoas. Assim como que essa transformação seja feita de forma efetiva e inclusiva. 
 
Blockchain já virou tecido, você usa sem saber o que está por trás’.
Após o painel, bati um excelente papo com Gustavo Paro, que é referência em blockchain no Brasil desde 2015, quando atuava no setor pela Microsoft LATAM. Em sua trajetória profissional ele tem passagem também por outra gigante multinacional de tecnologia, a Dell, além de ter comandado as operações da R3 no Brasil e na América Latina. Foi interessantíssimo escutar alguém que tem uma visão tão macro quanto ele e que conhece por dentro os grandes players que, no fim, serão os principais ditadores do ritmo da adoção em massa. Falamos sobre:
 
  • Quais setores, além do mercado financeiro, ele acha que já estão ou serão os primeiros a escalar em blockchain (seguros, supply chain, cartões de crédito, telcom, os negócios transfronteiriços, entre outros).
  • Ele concorda com Brett King que, em 2050, 95% do mundo estará baseado em smart contract. Ou seja, tudo e todos estaremos tokenizados. 
  • Respondeu se, afinal, blockchain é cara ou barata
  • E desenhou um futuro em que enxerga que teremos duas grandes redes globais. Uma pública e uma privada. E quais serão os silos a partir delas, os regionais e os segmentados. 
 
Vale muito a pena ler os insights dele aqui abaixo. 
Acredito que vocês vão gostar tanto quanto eu. 
 
Early-adopters
“Acho que o mercado de seguros é um setor com grande viés para a adoção da blockchain. O mercado financeiro, queira ou não, por conta de crises, inflação, ele a cada cinco anos sofre algum tipo de transformação, de evolução. No mercado de saúde você tem processos que rodam há 50 anos iguais. Então o grande problema disso tudo, na visão macro, é que o salto é muito grande. Por isso, às vezes acaba atrasando e até você ter esse salto, uma quebra cultural, uma evolução de mentalidade, de maturidade, pode demorar um pouco mais. Mas nesses 7, 8 anos, em que estou trabalhando com blockchain, vi alguns outros setores sendo beneficiados, desde o setor de supply chain, principalmente onde você tem uma movimentação internacional ou transfronteiriça. A gente tinha algumas iniciativas pra simplificar esse processo e encurtar a distância entre a compra e a venda. Todo esse processo, esse fluxo, desde regulatório até alfandegário, pagamentos, até você emitir carta de crédito, cartão de embarque, para que, de fato, a matéria-prima chegue pro produtor e o pagamento chegue pra quem fornecer a matéria-prima”. 
 
Telcom
“Outro exemplo clássico é o setor de Telcom. Hoje você viaja e tá bem mais simples porque algumas companhias já simplificaram e hoje você tem o roaming internacional quase que gratuito. Mas, por trás dos panos, quando você olha o bastidor, a conciliação desse processo entre diferentes players continua sendo tão lenta como era antes. Então quando você viaja pra Europa e se conecta numa Vodafone, você tem lá o acesso a dados, à telefonia, mas a conciliação entre a Vodafone, por exemplo, e a Vivo, no Brasil, às vezes demora três, quatro meses. Então, às vezes, aquele a mais que você usou, demora um tempo pra chegar na tua conta, nesse setor também a evolução foi clara assim e aconteceu”. 
 
Música - Ujo Revolution
“A gente vê a evolução na na área de mídia, por exemplo, músicas. Tem um caso clássico, o  UJO, lançado em 2016, em Ethereum na época, logo depois do lançamento da Ethereum, onde se inverteu a cadeia produtora. Você tinha uma cantora de Londres que já fazia bastante sucesso lá, e que pela primeira vez ela lançou um single em blockchain, onde ela criou uma regra de negócio para aquela música. Toda vez que aquela música era escutada, já existia uma regra dizendo ‘pra escutar a música vai custar tanto, um percentual vai pra cantora, um percentual vai pro músico, um percentual vai pra quem produziu’. Portanto ela já distribuía a cadeia. Hoje na cadeia da música o cantor normalmente é o último elo, o último a receber e às vezes ele recebe cinco, seis meses depois. Todo mundo recebe na frente e ele recebe no final. Ela trouxe isso, e isso você vê muito claro hoje quando a gente fala de NFT. O NFT nada mais é do que você ali também empoderar os artistas para que eles não só consigam ser os primeiros da cadeia, mas que eles consigam receber sempre que aquela arte que eles criaram for comercializada”.
 
Arte
“Hoje, numa cadeia tradicional, se eu desenvolvo um quadro e vendo isso numa galeria junto com o marchand, eu vou ganhar ali naquela primeira venda. Mas se quem comprou de mim vender para um terceiro, que vender para um quarto, que vender para um quinto, eu já não vejo mais esse lucro, o direito de sequência. Então, você vê o blockchain sendo usado também para isso”. 
 
Direitos autorais no XBox
“Em direitos autorais você vê a Microsoft usando no Xbox direitos autorais de games com o mesmo propósito. Então, acho que qualquer indústria onde você tenha contrapartes que não se confiem plenamente, ou que você tenha fluxo de processo em que eles são independentes, mas que no final do processo você possa ter algum tipo de problema, algum tipo de disputa, ou algum tipo de inconsistência, de informação, de valores ou de dados, o blockchain cabe. O limite é mais na criatividade e na aplicação mesmo. 
 
2050 - tudo será tokenizado
“Recentemente vi num evento uma apresentação do Brett King, que tem vários livros escritos sobre transformação digital e é um cara que sempre provocou a indústria financeira a evoluir, que sempre trazia os desafios, as ameaças, e que falava ‘se vocês não se mexerem, isso é o que vai acontecer’. Você pega lá o mercado financeiro 3.0, tem uma série de livros dele e ele sempre veio com essa visão. Agora a palestra que ele entrega se chama 2050. Na opinião dele, em 2050, 95% do mundo estará baseado em smart contracts, em contratos inteligentes rodando em redes distribuídas. Assim como a gente vê hoje uma tendência da tokenização, a gente vê que num médio e longo prazo, a economia, o mundo se transforme num mundo de tokens, o que ele chama de economia de tokens, onde tudo vai ser tokenizado e você vai ter uma transparência, uma facilidade em trocar o que a gente chama de troca atômica, né? Em trocar automaticamente bens por pagamento, pagamento por pagamento, em caso de câmbio, por exemplo. Você vai ter essa essa economia fluida porque tudo vai ser representado por algum tipo de ativo dentro de uma redistribuída que vai permitir que você consiga fazer essa troca atômica de tudo. Então a minha visão vai um pouco na linha dele, acho que para alguns setores onde a maturidade evoluiu mais rápido, como o setor financeiro, em alguns casos de uso o blockchain já é aceito, já é entendido e já virou tecido. E em alguns outros setores vai depender um pouco da evolução de maturidade, da evolução de cultura.”
 
Criptos - uma mudança cultural 
“A criptomoeda é uma tecnologia distribuída, está em cima de uma tecnologia blockchain, mas você não tem ainda uma adoção em larga escala, em massa. Aí vai dentro da questão cultural. As pessoas não estão acostumadas a ter a custódia dos seus bens e dos seus ativos. Eu cresci vendo meu avô guardando dinheiro em banco, meu pai guardando dinheiro em banco, provavelmente eles cresceram vendo os avós e os bisavós, isso vem de centena de anos pra cá. Então existe uma cultura ainda global de que você tem terceiros de confiança tendo essa custódia, tendo essa guarda dos seus ativos, da sua identidade, do seu dinheiro. E essa mudança, essa queda cultural, eu acho que ela vai acontecer com o tempo, mas queda cultural não é uma coisa de curto prazo. Tem uma metodologia que a gente aprende na Singularity que diz que a gente tem a tendência de superestimar o curto prazo e subestimar o longo prazo. E eu acho que tecnologias como blockchain, redes distribuídas, smart contracts, elas são exatamente tecnologias de longo prazo. Ao longo do tempo, com essa mudança cultural, com essa maturidade, com o entendimento da tecnologia, os processos de negócios vão começar a adotá-las, e isso vai cada vez virando mais natural e dando mais transparência pra todo mundo que for usar. Então, no longo prazo, eu tendo a concordar com a visão do Brett King de que em boa parte dos processos que a gente vai usar no dia a dia, por detrás estará sendo utilizado algum tipo de tecnologia distribuída.”
 
Em quanto tempo as empresas estarão todas blockchainizadas?
“Eu adoraria ter essa resposta, assim, na vírgula. E acho que quem tiver essa resposta provavelmente não vai te dar. Mas acho que alguns setores vão evoluir mais rápido. Quando a gente olha, por exemplo, setor financeiro, particularmente no Brasil, com o Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, anunciando o Real Digital, abrindo para dezessete empresas ou consórcios desenvolverem projetos e apresentarem projetos. Isso, naturalmente, vai empurrar muito mais rápido a adoção. Entendendo que o real digital possibilita a troca atômica, não necessariamente tendo a pessoa de confiança, todo mundo vai querer estar dentro desse parquinho e construir produtos e soluções dentro de casa que sejam trocáveis atomicamente com o real digital, que consigam usufruir desse benefício. 
No setor de saúde o salto é grande. Acho que tem uma barreira cultural mais longa e vai depender muito dos players, dos provedores de tecnologia do setor. O David Schlesinger trouxe no painel uma palavra que é crucial para qualquer setor. Vai depender muito da motivação, o quanto de motivação você vai ter para se atualizar. Por exemplo, se eu, enquanto stakeholder no setor, se minha motivação única for ganho de receita e share, talvez eu seja mais resistente a uma rede colaborativa. Agora, se eu entendo que dentro de uma rede colaborativa eu vou ter a privacidade necessária e eu vou conseguir ter acesso a dados que vão me ajudar a entregar esse objetivo, que é aumentar a receita, talvez eu seja mais apto, ou mais aberto, a adotar. Vai depender da forma com que isso é apresentado, da forma que as empresas se posicionam e das motivações de cada empresa e cada indivíduo.”
 
Governança quando os stakeholders são concorrentes
“Quando a gente fala de governança, imagina que você vai montar uma rede para benefício comum da cadeia, e que você, eventualmente, dentre os stakeholders tenha concorrentes. Montar a rede, conectar os stakeholders, montar o fluxo, criar o smart contract quando você vai ter a regra de negócio, o fluxo do processo, essa é a parte mais simples. Criar a Distributed Application, a DApp. Agora, o que demora? Quando eu falo governança, o que de fato é isso? Quem manda? Quem vai ter o voto mais alto? Quem vai definir se o processo está certo ou não? É uma cobrança de empresa. Quando você tem uma empresa de capital aberto, você tem lá um consultor administrativo como presidente, membros do conselho, você tem comitês embaixo. Então isso tudo se replica quando você monta uma rede colaborativa com empresas de um setor. Você tem que ter lá quem vai ser o presidente do conselho, quem vai ser o voto de Minerva, quem vai estar participando das decisões? Quais os comitês que eu preciso ter para levar as decisões para cima?”
 
DAOs?
“Acho que nesses processos isso é muito difícil para alguns. No caso da saúde, acho difícil que você tenha uma Decentralized Autonomous Organization. Por exemplo, de novo, quando a gente olha para o Banco Central e o Real Digital, eles estão olhando para o Real digital, mas eles estão criando o que eles chamam de RLN - Regulated Liability
Network - que nada mais é que uma rede de governança que vai ficar ou dentro do Banco Central, ou em algum player que ele defina, como uma Febraban da vida, e que ela vai fazer essa gestão de como evoluir as regras de negócio. Por exemplo, se eu tiver que mudar uma regra de negócio, quais os critérios para a mudança? Se tiver que entrar um novo player, quem é, como pode entrar, qual é o critério de entrada, qual o critério de saída? Na indústria da saúde provavelmente vai ser igual. Você vai ter que ter alguém, uma Susep ou alguém.”
 
O que já temos?
“Quando a gente fala em rede pública, em geral, governo é plural. Você ainda tem iniciativas descentralizadas ou não alinhadas. Você tem algumas iniciativas de identidade única ou de compartilhamento de dados espalhadas. A Receita Federal já tem há algum tempo um compartilhamento de documentos com o próprio Banco Central, com outros reguladores, isso já é uma prática de algum tempo, inclusive. Na saúde é mais ou menos parecido. Acho que em algum momento você pode ter iniciativas mais isoladas, onde você não vai ter cem por cento da indústria, mas já alguns players que têm uma motivação mais clara, ou que tem um nível de maturidade maior. Eventualmente você pode ter players na indústria que estão em diferentes setores. Tem player que está em um hospital, em laboratório ou em plano de saúde. Então ele já traz ali dois ou três setores para dentro de uma rede dessa. Se você começar a enriquecer essa rede com líderes do segmento, com empresas que já tenham uma representatividade boa no setor, eu acho que facilita. Eles vão servir como exemplo para os demais e vão acabar provocando a evolução dos demais. É a frase do Jack Welch que eu falei no painel, ‘se o que está fora está mais rápido do que está dentro, você tem que começar a se mover’. Então eu acho que isso vai acontecer e a governança vai acabar sendo natural. Num primeiro momento você vai ter que ter essa Regulated Liability Network pra saúde também. Quem que vai olhar? Quem vai criar as regras para atender requisitos regulatórios, critérios de entrada, critérios de saída, critérios de eficiência. Como é que a gente muda se tiver que alterar o fluxo do processo, ou mudar alguma regra que foi mudada? Como isso vai funcionar? E quanto mais players representativos do setor entrarem e aderirem a esse tipo de tecnologia, esse tipo de rede, acho que mais rápido o resto do setor vai aderir, porque ele vai conseguir enxergar os benefícios e vai querer participar desses benefícios junto com os demais.”
 
Afinal, blockchain é tecnologia cara ou barata?
“Hoje, blockchain é muito acessível e muito inclusivo. E por que eu falo isso? Primeiro, você tem várias tecnologias que são públicas, são open source, de código aberto e que são públicas para uso geral. Quando você fala de web3, já tem muita coisa que você consegue desenvolver em colaboração com outros participantes, em qualquer lugar do mundo, usando uma tecnologia grátis, digamos assim. ‘Ah, mas tem o custo de infraestrutura…’. Claro, sempre tem um custo envolvido. Mas quando você vai para o mercado enterprise, por exemplo, às vezes eu ia numa empresa falar de blockchain e ouvia “ah, eu acho legal, acho bacana, mas eu não tenho um orçamento pra blockchain”. Eu falava, “ legal, mas você tem orçamento pra RPA (Automação Robótica de Processos)? Então você tem orçamento pra sistema de blockchain. A diferença é que blockchain vai transformar teu processo tanto pra dentro de casa quanto para fora de casa. Ele vai transformar o processo dentro e vai te deixar preparado para interagir com qualquer outro player externo”. Se as empresas hoje têm orçamentos para automação de processos internos, o custo é o mesmo. O que você investe nisso? Você vai ter que desenvolver eventualmente um sistema, vai ter que ter um assessment pra entender aonde é que eu tenho ganho, o que eu consigo eliminar numa cadeia de processos. Então eu faço primeiro o desenho da cadeia como ela está hoje e desenho como ela deveria ficar, o que eu consigo eliminar, o que eu consigo reduzir, como eu encurto o tempo e como é que é a melhor eficiência? É o mesmo processo de se resolver um projeto em blockchain. Acho que um grande erro que as empresas tiveram - e eu falei muito disso com os bancos lá atrás - é que em vez deles trazerem o blockchain para dentro das áreas, pra área de desenvolvimento, pra área de infraestrutura, pra área de arquitetura, eles acabaram criando centros de blockchain. E no final do dia eles chegaram à conclusão que eles tinham um monte de especialistas em blockchain que eram campeões na palestra, mas não conseguiam executar nada. Por quê? Porque não tinha  colaboração. O cara olhava pra aquela área de blockchain e falava assim “ah, vocês não são bons, então faz aí, por que você precisa de mim, por que você precisa da infraestrutura, da arquitetura, do desenvolvimento?”. Então, acho que por um momento teve esse grande erro de você separar o que era blockchain, até por conta da maturidade, ninguém sabia muito bem o que era. Em 2015, as pessoas não sabiam diferenciar blockchain de glúten. Todo mundo falava, ninguém sabia pra que servia, pra que fazia mal, pra que não fazia. Agora, acho que como autoridade você vê muito mais as empresas incorporando blockchain nas áreas, tanto nas áreas de negócios como nas áreas de tecnologia. E está cada vez mais fácil essa interação. Então o acesso ele pode ser muito barato, você consegue hoje usar tecnologias que têm comunidades enormes, milhões de pessoas em comunidades abertas, onde você consegue eventualmente publicar um problema e ter uma resposta no curto prazo. Você consegue ter um custo de infra controlado. O acesso é muito bom, não é uma tecnologia restritiva em termos de preço. E ela acaba sendo inclusiva porque você consegue trazer tanto os líderes de mercado quanto os menores para ser o último daquele ecossistema. Você tem tecnologias, por exemplo, quando eu falo de privacidade, a gente usa uma tecnologia na empresa que a gente garante que cada empresa só enxergue as suas transações. Quando eu falo isso, quando eu parto para tecnologias que tratam privacidade dessa forma, que cada um tem o tamanho que lhe cabe, eu consigo, inclusive, reduzir custos de infraestrutura. Falo isso porque quando você pega 90% das tecnologias públicas, ou eventualmente até algumas privadas, elas têm o conceito de broadcast. O que significa isso? Eu submeti uma transação nova para a rede, você tem o algoritmo de consenso na rede, que valida se aquela transação é válida ou não. Uma vez que ela foi validada e eu gravei, eu distribuo essa transação para todos os nós da rede, para que todo mundo sempre tenha a mesma versão do ledger, que possa até ser usado como histórico. Então, quando todo mundo tem que ter todas as transações copiadas, eu gero um risco de reputação. As empresas falam assim, “ah, mas será que de fato não dá para acessar, não dá para quebrar criptografia, eu não consigo ver?”. Então se não tem uma privacidade nativa, eu gero esse mindset em quem está querendo entrar. E se todo mundo tem que gravar tudo, eu acabo limitando a entrada daqueles caras que são menores. ‘Porque pra eu entrar, se eu faço dez transações por mês e a rede toda faz dez milhões, pô, eu vou ter que ter infraestrutura pra tudo isso? Como é que eu faço? Eu sou pequenininho’. Então você tem alternativas hoje pra tudo isso. Em termos de custo e acesso, você tem N alternativas em tecnologias, cada uma com características diferentes, mas que vão te dar, de repente, um trade off: eu tenho mais privacidade, um pouco mais de custo, ou menos privacidade e menos custo?  Hoje em dia o cardápio é bem extenso em relação a tecnologias disponíveis.”
 
Interoperabilidade -  o nome do jogo - impacta no custo?
“Neste momento atual, acho que hoje ela é mais um fator de decisão para quem vai entrar. 
“Ah, vamos montar uma rede, em qual tecnologia?”. Por exemplo, supply chain, se sou uma rede que faço comércio internacional, comércio exterior, e que eu já sei que existem outras redes nos países em que eu atuo, onde eu quero interagir, onde estão meus clientes,  minhas contrapartes, e eu já sei que eles usam tecnologia A, B ou C, obviamente que se eu escolher pela tecnologia igual a deles, eu vou ter uma interoperabilidade nativa, a conexão vai ser mais fácil e o processo vai ser mais fluido. Então, interoperabilidade, nesse caso, entra como um fator de decisão. Aí a questão do custo é qual tecnologia está sendo usada? Está sendo utilizada uma tecnologia proprietária que eu tenho que pagar uma licença? Está sendo utilizada uma tecnologia open source, que ela é grátis? Aí, sim, dependendo do ramo, dependendo da indústria, e dependendo da tecnologia que é prioritariamente utilizada, pode ter impacto no custo ou não.”
 
Como serão as redes?
“Acho que no médio e longo prazo, o que eu acredito é que a gente vai ter duas grandes redes globais, uma rede pública e uma rede privada. E você vai ter grandes silos, grandes redes regionais ou redes segmentadas. E que o grande nome disso vai ser a interoperabilidade. E cada vez mais a interoperabilidade vai ser natural. Todas as tecnologias estão trabalhando para serem interoperáveis entre elas. Essa é uma barreira que hoje existe. Quando a gente fala de hoje, ela existe. Você tem tecnologias que interoperam mais com outras, e outras que interoperam menos. Por isso, quando você olha conceito de interoperabilidade, você escuta interoperabilidade nativa ou sem barreiras, e interoperabilidade por pontes ou por bridges. Onde eu não tenho uma interoperabilidade nativa, hoje a gente cria uma bridge, que nada mais é do que um smart contract no meio. Vai encarecer? Vai. E é o intermediário no processo. Qualquer intermediário é um layer a mais, encarece esse processo. E quando você gera tecnologias ou redes para interagir com outras redes numa tecnologia que é igual, que é a mesma que a outra rede usou, você não tem esse custo intermediário no meio. Então, hoje, na minha visão, interoperabilidade, ele é o nome do jogo do futuro. É o que vai definir ali a regra no futuro. Mas hoje ela é muito mais usada para tomada de decisão. Se eu estou entrando num setor da saúde, existe alguma rede predominante na qual já existe? “Ah, existe a rede A”. Então, cara, se eu quero entrar e eu quero interagir mais rápido com a rede A,  eu vou usar a tecnologia A no meu projeto e vou participar desse projeto de uma forma mais rápida e mais acessível, mais fácil. E o custo vai depender da tecnologia que está sendo utilizada. Com uma rede compartilhada, o custo acaba sendo compartilhado, então, blockchain acaba também ajudando nisso. Quando eu comentei na questão do RPA de processos internos, se você está simplificando o seu processo - e você está usufruindo desse processo - não está dividindo essa conta com ninguém. Quando a gente cria uma rede blockchain mais distribuída, esse custo é distribuído na rede. E onde que vai ter essa regra e onde vai estar essa definição? Na governança. Quem for fazer a gestão da governança, cria essa conexão, essa parte de interoperabilidade, a regra de interoperabilidade para aquela rede. Então você define lá como é que vai funcionar a interoperabilidade, como é que vai ser gerenciada a interoperabilidade, de modo que, mesmo que a governança seja única, você pode ter numa mesma indústria ecossistemas usando em tecnologias diferentes.”
 
O mercado já confia em blockchain?
“Quando a gente fala de confiança, pra mim, basicamente, são dois pontos principais: maturidade e educação. Hoje, por incrível que pareça, apesar de eu já estar nesse mundo desde 2015, você viu no painel a quantidade de pessoas que nunca tinham escutado falar de blockchain quando eu perguntei. E isso vai continuar acontecendo por um tempo. Hoje, o percentual de pessoas e empresas que, de fato, conhecem, já fizeram algum tipo de teste,  já vivenciaram alguma aplicação, já reservaram um orçamento pra investir nisso, ainda é muito baixo. Sou capaz de apostar que no mundo a gente não chegou talvez em 5%. Talvez um pouco mais, mas de forma geral sou capaz de apostar em 5%. Então, existe um greenfield ainda, um mato muito alto. E quanto mais as pessoas têm contato com blockchain, entendem os benefícios do blockchain, mais elas vão adotar e vão confiar na tecnologia. A tecnologia de blockchain é uma tecnologia de confiança por si só. Ela nasceu com o viés de ser um terceiro, de substituir o terceiro de confiança. Então ela faz a parte de conciliação, a parte de contabilidade, ela faz todo esse processo nativamente, você já tem esse papel. E quando você olha para o mundo cripto, por exemplo, você vê que os ataques não acontecem nas redes. Eles acontecem nas exchanges, nos projetos, mas não na rede em si. Então você já tem uma confiança de quem conhece. E eu acho que isso é natural. Quanto mais as empresas e as pessoas tiverem contato, entenderem pra que serve, se educarem, a confiança vai naturalmente aumentar, os casos de uso vão aumentar e a adoção vai aumentar. Pra mim é um processo. É uma evolução natural.”
 
Guta Nascimento é jornalista especializada em web3 e trabalha com onboarding por meio de palestras, lives, aulas, talks e painéis. Para saber mais, leia Web3 Para Todos.
 
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