06/04/2023 às 09h07min - Atualizada em 06/04/2023 às 09h07min

Plataforma de denúncias para mulheres vítimas de assédio é premiada em hackathon no Brasil

Guta Nascimento

Guta Nascimento

Guta Nascimento é jornalista web3.

Guta Nascimento

Uma plataforma on-chain para as mulheres poderem desabafar anonimamente sobre casos de abuso, discriminação e violência foi um dos projetos vencedores do Hackathon da ETHSamba 2023, realizado de 31 de março a 02 de abril, no Rio de Janeiro. 

 

A ferramenta, que se chama Vozes Seguras - Desabafe Sem Medo, foi criada por Paula Nemésio e Helena Freitas  - e desenvolvida em conjunto com Mariana Braoio, Cris Lopes, Thaynara Santos e Márcio Machado Pontes -  para dar suporte às mulheres de forma segura, garantindo que as informações e os dados fiquem privados. O projeto prevê também conectar as usuárias com serviços de acolhimento, criando uma rede de apoio e permitindo social listening de forma anônima

 

COMO FUNCIONA

 

A plataforma transforma desabafos em tokens de utilidade Safe na blockchain CELO. 

O modelo engage-to-earn (engajar para ganhar) prevê:

 

1 desabafo anônimo gera 180 Safe tokens

1 comentário de apoio gera 60 Safe tokens

1 like de apoio gera 20 Safe tokens

 

Ao coletar a quantidade de 600 Safe tokens, a usuária pode destravar um serviço de terapia com uma profissional parceira do projeto. 

 

PARCERIAS

 

Desenvolvido durante dois dias no Hackathon da ETHSamba, o projeto já nasceu com o apoio de players importantes no ecossistema web3, como a blockchain CELO e a carteira virtual Metamask. E também recebeu a chancela de fortes comunidades femininas na web3, como, a DAO EVE NFT, a comunidade Cora e o projeto de NFT liderado por mulheres, Women In Force, além do apoio do Grupo Mulheres do Brasil, que reúne mais de 115 mil mulheres brasileiras no país e no mundo. 
 

 

O HACKATHON

 

Sediado num casarão tombado no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, o ETH Samba Hack foi marcado por uma vista deslumbrante da cidade, numa casa bucólica, batizada de Hacker House, com um imenso quintal e simpáticos cachorros que trouxeram diversão e acolhimento aos participantes e visitantes ao longo de 56 horas de evento. Quatorze times disputaram o total de 10 mil dólares em prêmios oferecidos por cinco empresas de web3.
 

O primeiro dia foi de bootcamp e aulas. Depois o time do projeto Vozes Seguras se dividiu em pilares de execução. Helena Freitas, co-fundadora e responsável pela inovação estratégica criativa, desenvolveu o conceito engage-to-earn, para a usuária ser remunerada pelo tempo de engajamento na plataforma.
 

“Os tokens só valem dentro da plataforma”, explica, “gerando um tokenomics para depois serem fechadas parcerias com terapeutas, marcas, fundações etc, plugando serviços da web2 no nosso token. Em vez de forçarmos as mulheres a fornecerem seus dados e usarem um e-mail centralizado de login na nossa plataforma,  escolhemos usar a MetaMask (carteira digital), que é tão fácil de criar quanto um e-mail, mas com ela você se renumera e guarda seus tokens de utilidade. Escolhemos a blockchain CELO porque ela apóia projetos feitos com propósitos”.


Helena também foi a responsável pelo vídeo institucional que explica o projeto. Thaynara Santos, atualmente Engenheira de Software na Parfin, cuidou de toda a parte técnica e desenvolveu todo o sistema. Foi ela quem fez o smart contract para gerenciar as ações de criar desabafo, mostrar os desabafos, criar comentários, registrar os likes de apoio, toda a lógica de criação e distribuição de tokens para cada desabafo, comentário e like de apoio. Thaynara - que trabalhou no projeto remotamente (este ano o hackathon permitiu participantes não presenciais) - fez o back-end para interagir com todas as operações do smart contract e conectar a carteira Metamask. Também fez todas as páginas do site com o conteúdo escrito pela equipe e criou o pipeline de deploy para o projeto ser disponibilizado em um link público. Cris Lopes, bizdev da Sonica, desenvolveu a formatação do modelo de negócios partindo do princípio de por que montar um negócio assim e qual a justificativa da tecnologia nesse formato.
 

“Sabíamos o que a gente queria fazer, mas não sabíamos muito bem como”, conta ela, “quando a gente começa a formatação de modelo de negócios, vão surgindo várias perguntas sobre o que a gente tá construindo, mas acho que a gente conseguiu superar bem, conseguimos criar um formato em que a gente conseguiu amarrar todas as pontas, tanto dos critérios do hackathon quanto dos nossos objetivos mesmo”. Cris também ajudou a estruturar a parte jurídica, “como vamos ter um aconselhamento jurídico dentro da plataforma, fui atrás de informações para saber qual seria o melhor formato para fazermos isso”.

 

COMO SURGIU A IDEIA

 

Vozes Seguras nasceu inspirado em um caso de abuso sexual sofrido pela co-fundadora, a relações públicas Paula Nemésio, cometido por um homem ligado ao ecossistema brasileiro da web3. Em janeiro deste ano, ao contar o que havia acontecido para Helena Freitas, as duas conversaram sobre a experiência de uma planilha de depoimentos anônimos com denúncias de assédios em agências publicitárias, compartilhada em grupos de mulheres da área de marketing e publicidade, e que acabou levando à demissão de um executivo C-level.

Como uma planilha tradicional poderia ser rastreada, as duas passaram a debater  a criação de uma plataforma que garantisse de fato anonimidade. Daí pensaram, “que tal se fosse dentro da blockchain?” Durante meses trocaram
insights sobre como desenvolver melhor a ideia. Quando Paula soube do hackathon, imaginou que o abusador estaria no evento.

 

“Falei, vamos tirar do papel o que vai ser suporte para várias mulheres, mas, para mim, tirar lá seria extremamente significativo”, desabafa. “Percebi que as poucas outras mulheres que estavam lá celebraram muito. E homens também, teve muita gente que durante o hackathon quis colaborar, chegavam e falavam ‘o que eu posso fazer pra ajudar vocês?’ Fomos muito acolhidas lá”, relata.

 

DESAFIOS

 

Para Paula, o maior desafio foi estar no mesmo ambiente que seu abusador e manter estrutura emocional. Conta que no primeiro dia teve uma crise de ansiedade bem grande e quase desistiu de participar do hackathon, mas amigos que sabiam qual era a proposta do projeto incentivaram bastante.
 

“Fui extremamente acolhida lá emocionalmente pelas pessoas que sabem do caso. Todos tomaram muito cuidado comigo. As meninas foram um suporte emocional pra mim muito grande. E o que a gente quer com o Vozes Seguras é realmente proporcionar essa rede de segurança e suporte para mulheres que se sentem mais seguras anônimas e que ainda precisam desse suporte”. 

 

Mariana Braoio conta que um dos maiores desafios foi  encontrar uma mulher de front-end (a parte visual de um site ou projeto na qual o usuário consegue interagir), que estivesse disponível para o evento, “o que mostra o quão é importante incentivarmos mulheres estudarem tecnologia e como isso é um lack (falta) do mercado”. Por isso optaram por seguir com o projeto com um dev masculino.

Para Márcio Pontes, que desenvolveu o
front-end, “foi uma honra ter participado desse projeto incrível, em que pude ver o empenho das mulheres para criar um espaço para dar voz às mulheres e ajudar a construir uma plataforma que pode fazer a diferença na vida delas. Como homem, reconheço que não tenho lugar de fala, não tenho a mesma vivência e experiência que as mulheres têm em relação à violência e ao assédio. Por isso acredito que é fundamental que nós homens também nos engajemos na luta contra a violência de gênero, e é um dever nosso nos posicionar contra a violência, seja apoiando projetos como o Vozes Seguras, seja reconhecendo o nosso papel na promoção de uma cultura de respeito e igualdade de gênero, e para além disso, dando visibilidade a iniciativas como essa’. Para Thaynara, “apesar de nos últimos tempos ter aumentado o número de mulheres na área de tecnologia, ainda é muito pouco. É algo que deveria receber mais incentivos como um todo. Assim, conseguiríamos tirar mais projetos tão importantes como esse do papel”.

 

PRÓXIMOS PASSOS

 

Uma pesquisa feita com mais de 100 mulheres da comunidade web3 durante o desenvolvimento da ferramenta mostrou que 95% das mulheres ouvidas já foram vítimas de algum tipo de assédio ou discriminação. O que demonstrou a importância de uma plataforma assim na web3.
 

Ao longo do evento tivemos a oportunidade de fazer pitch para muitas pessoas e a receptividade do projeto era sempre acompanhada de ''isso é demais", conta Mariana Braoio, “a ideia da plataforma é para ser de uso diário, como um twitter de desabafos, porque os assédios que sofremos são diários. E em ambientes tecnológicos, financeiros e governamentais é mais intensificado ainda. Queremos utilizar soluções digitais para problemas reais”.


A equipe do Vozes Seguras pretende desenvolver uma parceria com a Sinapse, uma plataforma de terapia no Discord, criada por Gabriela Radiante, para propor o melhor suporte para as mulheres que solicitarem o serviço.
 

“Acredito que ações como a criação do Vozes seguras soma não somente com a saúde mental de quem vivencia a necessidade desse acolhimento, como reverbera nas futuras gerações que poderão enxergar e vivenciar que uma web mais segura e potente que está sendo construída por mulheres fortes que entendem a dor de ser mulher em diversos cenários. Nós da Sinapse Collab acreditamos que essa soma com o projeto poderá fortalecer a rede de apoio de todo esse público”, conta Gabriela. 


Na área de desenvolvimento, Thaynara Santos conta que a equipe do Vozes quer “fazer algumas funcionalidades como, por exemplo, match por categorias, integração com parceiros e extrair algumas métricas que possam trazer mais insights”.

Paula Nemésio, que vem da área comercial, espera usar sua experiência profissional para ser mais útil ainda ao projeto. “Queremos afinar, tirar do papel e levar pra frente, divulgar, correr atrás de financiamento, submeter dentro das próprias iniciativas da CELO. A gente quer realmente criar uma rede completa de suporte para que essa mulher consiga ter esse anonimato mantido durante a  fase inicial. Mas um dos nossos objetivos também como projeto é entender se a mulher, tendo esse suporte, e sentindo esse suporte, isso consequentemente  aumente as denúncias. Nossa missão é continuar criando ferramentas que possam gerar essa confiança nessas mulheres. Vamos focar  primeiro agora na questão emocional, psicológica, e num suporte judicial inicial, disponibilizando mais informações sobre isso e dar essa opção futura de indicação de suporte judicial”.

Cris Lopes, que atuará no desenvolvimento jurídico agregando mais parceiros para dar suporte mais profundo nessa área, explica, “fomos atrás de vários projetos e grandes empresas que já dão suporte para casos de assédio e causas feministas. Vamos entrar em contato com esses projetos e ver como podemos tornar o Vozes Seguras um projeto on-chain maior”.

 

FORÇA FEMININA

 

Meu principal aprendizado”, reflete Paula Nemésio, “se mistura com o que podemos fazer para ter mais mulheres nos hackathons. É a força de se juntar e de acreditar em outras mulheres. Ir se empoderando. Não teremos o sistema estimulando a gente de forma real e facilitando esse tipo de iniciativa pra gente. O que eu acho que vai estimular a ter mais mulheres participando nos hackathons fazendo projetos para mulheres é esse sentimento de comunidade feminina, de botar a cara lá e ir se empoderando, que eu sei que é muito desafiador. Durante o pitch, a exposição do nosso projeto, a gente sofreu na própria pele, viramos a própria estatística, com um cara interrompendo a gente durante diversos momentos, sendo extremamente agressivo. Então a gente percebeu ali o quanto é difícil dar a cara. A gente tem consciência de que é um assunto extremamente delicado e que, com homens em posição de poder, existe a grande possibilidade de tentarem diminuir ou reduzir ou abafar o que a gente está tentando fazer"
 

"Somos muito poderosas quando estamos juntas. Um grupo ali majoritariamente feminino em que todas as decisões foram tomadas por mulheres. Somos muito fortes. O que eu acredito que vai trazer as mudanças é a força que a gente pode se dar como mulheres”, finaliza.

Para Cris Lopes, o maior aprendizado foi “saber que o hackathon não é apenas para desenvolvedores. No fim das contas, a tecnologia é uma parte do que estamos construindo. Eu cheguei no Rio de Janeiro no domingo anterior sem nem saber o que era um hackathon, então, acho que não é todo mundo que tem essa informação. Acho que cada vez participando mais e falando mais sobre o assunto, a gente vai estimular mais mulheres a participar. Nos nossos fóruns de discussão podemos fazer um levantamento de datas de hackathons, igual como fazemos com datas de eventos”.

Mariana Braoio também sugere algumas medidas práticas:

“podemos propor pagamentos de passagens, oferecer cursos destinados às mulheres, termos mais sponsors conectadas com essa frente social, ter mais mulheres nos júris”. E ressalta a importância profissional e o empoderamento que traz  vencer um hackathon,  “porque se eu fui responsável por desenvolver um produto que estava funcionando em 36 horas, o que mais eu posso fazer em seis meses? Isso me ajuda muito a ser uma profissional mais respeitada no meio da tecnologia”.

 

O projeto foi reconhecido pela inovação e estratégia, sendo contemplado com um dos 5 prêmios de 400 dólares oferecidos pela CELO. Foi o primeiro hackathon de todos os integrantes. 
 

Parabéns, time!

 

Para conhecer a plataforma clique em  https://sv-platform.vercel.app/

 

Assista ao vídeo do projeto em Vozes Seguras - Vídeo Institucional

 

Equipe: 

Paula Nemésio - co-fundadora 

Helena Freitas - co-fundadora

Thaynara Santos - back-end e tokenomics

Marcio Machado Pontes - front-end 

Mariana Braoio - gerente de produto

Cris Lopes - bizdev e jurídico
 

 

Guta Nascimento é jornalista web3 e trabalha com onboarding por meio de palestras, lives, aulas, talks e painéis. Para saber mais, leia Web3 Para Todos

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