Existem muitas teorias para justificar o fato de a laranja ser usada para descrever atividades fraudulentas, falsificações e golpes.
Há quem diga que essa tradição vem dos tempos nos quais a bebida alcoólica era proibida e então as pessoas colocavam os ‘drinks quentes’ dentro de singelas laranjadas para enganar às autoridades. Mas outros afirmam que a origem da expressão se deve ao fato de que após consumida, a fruta deixe como resíduo apenas o bagaço, tipificando o lucro obtido por aqueles que se prestam a participar destes golpes depois que os verdadeiros beneficiários, os grandes golpistas, terminam o serviço.
Por outro lado, essa fruta também é o ator principal de um outro ditado popular auto explicativo segundo o qual ‘uma laranja podre apodrece todo o cesto’. No caso em análise, o cesto é o Pix.
Afinal, segundo um estudo da Serasa Experian, o sistema de pagamento instantâneo implantado com sucesso pelo Banco Central tem sido muito utilizado como um mecanismo de lavagem de dinheiro no esquema de contas laranjas.
A razão é que, por meio deste instrumento, de acordo com a explicação da própria Serasa, o fraudador consegue realizar múltiplas transferências de valores para diferentes instituições financeiras em pouco tempo, o que torna difícil rastrear os montantes.
Estimativas do Banco Central mostram que houve um crescimento de 11 vezes no volume de transferências criminosas no último ano. A instituição trabalha com a hipótese de que 1 em cada 10 mil transações via Pix é considerada crime. Os crimes envolvendo Pix também aumentaram 30 vezes só no primeiro semestre de 2022, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Apesar da possibilidade de ficar apenas com o bagaço nas mãos, conforme uma das teorias citadas para o uso da laranja como símbolo do golpe, a disposição do brasileiro para participar deste tipo de disfarce é enorme. Outra pesquisa da própria Serasa identificou que, atualmente, mais de 1,6 milhão de brasileiros podem ser considerados laranjas, sendo que 70% de todas as contas laranjas são criadas com a concordância e a aceitação do titular da documentação. O restante são vítimas que têm seus dados roubados. O resultado dessa laranjada toda espremida é um suco de prejuízo de aproximadamente R$ 2,5 bilhões somente em 2022.
Mas a situação ainda pode ficar mais azeda porque, assim como tudo, a Inteligência Artificial, tão útil para tarefas do bem, também pode e está sendo usada de forma agressiva para o mal, neste caso, potencializando as possibilidades de golpe e gerando verdadeiras laranjas podres cibernéticas para a abertura de contas e outras iniciativas fraudulentas.
Resumindo: Agora, além das pessoas reais dispostas a permitirem que seus dados sejam usados em esquemas de contas laranja, existe a possibilidade de uma pessoa que não existe, com uma voz que não existe, fazer uma série de ações programadas por um fraudador por meio de IA. Para isso, basta pedir um script ao ChatGPT, por exemplo, depois entrar em outra IA que gera voz e pedir para que ela crie uma forma de falar aquilo, com a etnia, o gênero e o tom de voz desejado. Finalmente, só é necessário ir para uma terceira IA que gere a imagem de uma pessoa digital que possa ser vista como autora das falas desenvolvidas nos processos anteriores.
Uma avaliação rápida da situação pode levar à conclusão de que é uma questão de tempo para o Pix ser corroído pelas bactérias dessas laranjas digitais pobres, mas felizmente a mesma IA que planta a laranja também colhe.
Embora não exista ainda uma bala de prata, existe sim uma série de ferramentas que devem ser usadas durante o processo de onboarding e durante toda a convivência do cliente que podem evitar ou, no mínimo, diminuir a incidência de contas laranja.
O chamado liveness passivo, por exemplo, é um mecanismo de mapeamento facial alimentado por Inteligência Artificial que é capaz de determinar se a imagem de um rosto corresponde mesmo ao de uma pessoa real, se é apenas uma foto extraída de outra foto ou de alguém com uma máscara.
É claro que não é possível sair fazendo biometria facial a toda hora porque fica muito custoso, mas é necessário que haja uma verificação sequenciada de forma que a solução utilizada no motor ou na plataforma de decisão possa executar verificações modulares para desencadear algum tipo de conferência em momentos oportunos.
Assim, é possível utilizar a IA como uma aliada dentro da estratégia de prevenção com o objetivo final de que as coisas sejam simplesmente o que foram criadas para ser. A conta corrente é um mecanismo de organização e suporte financeiro para desenvolvimento social e a laranja, somente uma fruta.
* Fernando Guimarães é CEO da Stone Age